Impacto das mudanças climáticas sobre a construção
Para registrar o impacto das mudanças climáticas sobre a construção, a arquitetura e o jeito de morar do carioca, o Morar Bem publica, ao longo de três domingos, a série “O novo clima e a moradia”. Hoje, nosso tema é a estrutura, ou seja, como fazer prédios de forma segura. Só para constar: construir em encostas é algo que nem se discute.
Aumento do nivel do mar
Segundo estudos do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), da Coppe/UFRJ, nos últimos 50 anos foi observada na costa brasileira uma elevação do nível do mar de4 milímetros/ano (20 centímetros no total). Para os próximos 50, as previsões apontam para uma alta de 30 e 80 centímetros. E, segundo o professor Dorival Bruni, do Instituto de Geografia da UERJ, especificamente na cidade do Rio, as expectativas são mais pessimistas:de 60 a 90 centímetros. Considerando-se que as construções da orla ficam entre dois e três metros acima do nível do mar, diz ele, em dias de ressaca as águas poderão invadi-las. Um exemplo extremo dessa situação, lembra, é a cidade de Atafona (RJ), onde o nível do mar já aumentou a ponto de destruir mais de cem casas.
– Em cinco décadas, não será raro, porexemplo, ondas atingindo as avenidas Vieira Souto e Atlântica em períodos de maré alta. Por isso, o ideal é que, daqui para a frente,sejam construídas na costa do estado, como medida preventiva,edificações cinco a dez metros acima do nível do mar – diz Bruni, recomendando que as construções sejam feitas afastadas das praias.
Construção de casa próxima à praia
Outra sugestão dos especialistas é uma volta ao passado: as casas em áreas litorâneas e sujeitas a alagamentos recorrentes devem ser erguidas sobre pilotis. Além disso, nos empreendimentos imobiliários, garagens construídas sobre pisos elevados serão a cada dia mais comuns.
– Ao construir uma casa próxima à praia, o proprietário já deve checar o histórico do nível do mar na região em períodos de maré alta e, para se resguardar, prever um acréscimo. Nos edifícios, a tendência é que as garagens fiquem em pavimentos elevados. Há tempos, as empresas deixaram de construir garagens subterrâneas, mas, nas que existem, precisaremos de sistemas de bombeamento eficientes – ressalta Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon-Rio.
Ainda segundo o estudo da Coppe, em 60 anos, levando em conta os cenários climáticos mais quentes, a faixa que vai da costa do Rio Grande do Sul até o sul do Estado do Rio pode se tornar uma região propícia ao desenvolvimento de ciclones extratropicais. Assim, ressalta Paulo César Rosman, professor de engenharia oceânica e costeira da Coppe, é preciso mudar os códigos de edificações, no que se refere, por exemplo, à intensidade dos ventos.
– As normas brasileiras para a instalação de esquadrias, por exemplo, se baseiam numa determinada velocidade de ventos, que varia segundo a região. Mas ninguém no país está preparado para ventos de 200km/h, que é um cenário possível no futuro (hoje, no Rio, uma frente fria traz ventos de uns 80km/h) – afirma Rosman.
– Nas esquadrias adotadas em países onde ciclones e furacões são comuns, a estrutura metálica é reforçada e o tipo de fixação é diferente das janelas brasileiras de hoje. Além disso, são adotados os vidros duplos que, separados por uma câmara de ar, garantem maior estabilidade – ressalta Francisco Vasconcelos, vice-presidente de Meio Ambiente do Sinduscon-SP.
Reforço para as fundações, paredes e lajes
Com os fortes ventos, as fundações das edificações deverão ser reforçadas, especialmente as de prédios isolados, alerta Charles Pizzato, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Luterana do Brasil, em Torres, Rio Grande do Sul.
– Como a força do vento vai diminuindo à medida que a concentração urbana vai aumentando, essas edificações devem contar com reforços estruturais adequados – explica Pizzato, que é autor de um artigo chamado “Os efeitos dos ventos sobre as edificações – O caso do ciclone Catarina”, lembrando que projetos específicos de paisagismo ou arborização ajudam a proteger as casas. -Obviamente, a vegetação deve ser composta de espécies resistentes a fortes ventos.
João Talocchi, coordenador da campanhade clima do Greenpeace, lembra que os telhados das casas brasileiras também não estão preparados para ventos tão intensos:
– Não poderemos ter casas que vão destelhar com ventanias. Talvez já seja hora de importar as técnicas construtivas de países habituados a esses eventos extremos. no,no!!
Caixas d’água com tampas de rosca ou com trava
Para alguns especialistas, o telhado,em lugares com muita incidência de ventos, deveria ser uma laje de concreto armado impermeável, sem telhas.
Mas a importação de técnicas,na realidade, já começou. Está sendo adotado no país o chamado “sistemashingle“, muito usado nos Estados Unidos, pelo qual, sobre a estruturado telhado (que pode ser de madeira ou de aço), são instaladas chapas de compensado, como se fosse um assoalho. As telhas, feitas basicamente de asfalto e fibra de vidro, são pregadas nesse assoalho, formando uma estrutura única. Além disso, pontos termo-adesivos distribuídos pelas telhas colam-se com a exposição ao sol.
– Assim, diferentemente das telhas coloniais, comumente usadas no Brasil, elas não se soltam – explica Juvenal Rolim, diretor da TC Shingle do Brasil, ressaltando que, embora o sistema tenha chegado ao país há cerca de dez anos, é pouco difundido no mercado nacional.
Outro problema que já começa a se observar na cidade do Rio está no modelo das caixas d’água – as tampas,soltas, acabam sendo levadas pela ação do vento. O engenheiro Mário Roberto Moura ressalta que alguns fabricantes brasileiros já desenvolvem caixas com sistema de trava ou com tampa-rosca – como é usado em países que sofrem com ciclones e furacões. Assim, evita-se que a peça se solte.
José Marengo, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dá outro alerta: o Estado do Rio tende a apresentar eventos extremos de chuvas,concentradas – o que, aliás, já acontece:
– Isso não significa que o volume global de chuvas seja maior, pelo contrário, há períodos de escassez. Mas as chuvas são mais intensas e acumuladas. E as galerias pluviais não estão dimensionadas para tal volume de águas.
– Os coletores pluviais, tanto de ruas como de edificações, têm cargas que suportam um determinado volume de chuvas, que segue um padrão medido por uma série histórica. A partir do momento em que esse padrão está mudando, tudo precisa ser repensado -ratifica Francisco Vasconcelos, do Sinduscon-SP.
Os sistemas de captação e reutilização da água da chuva deverão ser mais adotados:
– Não é só uma questão de sustentabilidade. Haverá períodos de escassez, a água terá de ser guardada – acrescenta Tallochi, do Greenpeace.
Para evitar que, com as fortes chuvas,a água acumulada invada casas e prédios, a tendência, segundo especialistas, é que o setor de construção civil comece a usar mais pisos permeáveis, como os blocos intertravados de concreto. Eles têm juntas entre as peças que facilitam o escoamento de água. Outra opção é o concregrama, piso de cimento vazado, preenchido com grama – ele é indicado para passagens e estacionamentos de veículos, onde um gramado seria esmagado pelo peso.
– Estes pisos permitem que a água retorne ao solo. É uma solução ecológica e eficiente para resolver a questão prática da inundação – diz a arquiteta Lourdes Zunino, especialista em conforto ambiental.
Redes elétricas terão de ser melhor dimensionadas
Vasconcelos alerta ainda para o aumento da incidência de raios e para os riscos da descarga elétrica nos edifícios. A concessionária de energia Ampla, que atende a 66 cidades no Estado do Rio, confirma que, entre 2007 e 2009, segundo dados do Sistema Net Raios, programa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), esse crescimento foi de 107%.
– Nas edificações, há um risco maior de curtos-circuitos e queima de equipamentos. Você passa a precisar de uma rede elétrica melhor dimensionada e, portanto, de uma revisão dossistemas de aterramento dos prédios – acrescenta o vice-presidente de Meio Ambiente do Sinduscon-SP.